
Estereótipos invertidos em “Eu Não Sou um Homem Fácil”
“Eu Não Sou um Homem Fácil” traz uma reflexão importante sobre o machismo presente no mundo, embora caia em alguns erros e esteriótipos.
UUm mundo em que as mulheres detêm o poder e estão no topo sociedade, enquanto os homens são submissos e objetificados. Com essa premissa, a diretora francesa Eléonore Pourriat lançou o filme Eu Não Sou um Homem Fácil, produção da Netflix. Pourriat é conhecida por desenvolver projetos que abordam questões de gênero. Em 2010, viralizou com o curta Majorité Opprimée, narrando a história de um homem que é violentado sexualmente, por mulheres, ao abrir dois botões da sua camiseta.
Em Eu Não Sou um Homem Fácil, Damin (interpretado por Vincent Elbaze) é o típico homem machista, que se sente no direito de assediar mulheres. Logo depois de cantar duas meninas jovens na rua, bate a cabeça em um poste, desmaia e acorda em um mundo onde as mulheres são o grupo hegemônico. Nessa nova sociedade, são elas que ocupam os cargos de chefia e ditam as regras.
O exercício que o filme propõe é interessante. E se os homens tivessem que se depilar para agradar as mulheres? E se as mulheres pudessem caminhar sem camisa e não serem sexualizadas? E se os homens fossem avaliados mais pela aparência do que pela competência? E se o corpo masculino fosse constantemente objetificado e utilizado para vender produtos?
O filme ilustra diversas nuances do machismo e retrata principalmente o preconceito do cotidiano. O longa acerta também ao ilustrar como o sexismo permeia as relações nos ambientes de trabalho. A partir da inversão, os homens são constantemente assediados no escritório (principalmente quando estão usando roupas mais curtas) e, ao discordar e questionar determinada ideia, são taxados de histéricos ou extremamentes sensíveis. O principal papel que Eu Não Sou um Homem Fácil cumpre é o de escancarar o preconceito presente nos detalhes.

No entanto, alguns questionamentos podem ser feitos em relação ao longa. O primeiro que me veio à cabeça foi: e as outras opressões? Ao colocar a questão de gênero como centro, o filme deixa de lado outros problemas consideravelmente significativos e inerentes à qualquer sociedade, como questões relacionadas à raça, classe e orientação sexual. Com a inversão de papéis de gênero, o filme considera que mulheres negras teriam o mesmo poder estrutural que mulheres brancas, por exemplo. Porém, sabe-se que as opressões são muitas e complexas. Por outro lado, é claro que um filme não consegue contemplar todos as questões sociais existentes.
A narrativa também comete o mesmo que Se eu Fosse Você, filme com premissa similar (um homem acorda no corpo de uma mulher e vice-versa). Essas tramas consideram que, em geral, pessoas do mesmo gênero se comportam sempre da mesma maneira, o que reforça uma série de estereótipos problemáticos. É claro que, em geral, mulheres recebem o mesmo tipo de educação e, por isso, se comportam de forma parecida. Boa parte dos comportamentos femininos e masculinos (e até mesmo a dicotomia existente entre o que é “feminino” e “masculino”) são construídos e explicados socialmente. Porém, isso não significa que a individualidade de cada ser humano possa ser desprezada, ainda mais em pleno século XXI.

A produção gerou alguns comentários problemáticos, que deram a entender que o filme seria um retrato “do que o feminismo quer”. Quem realmente conhece o histórico e as demandas do movimento feminista sabe que essa “inversão de opressão”, retratada no longa, não é uma reivindicação do feminismo – e nem é possível em uma sociedade como a nossa, que é historicamente impregnada pelo patriarcado.
Contando com boas atuações, Eu Não Sou um Homem Fácil cumpre seu principal papel ao suscitar reflexões sobre como o machismo é onipresente e estrutural em pleno século XXI. O romance entre os protagonistas Damien e Alexandra (Marie-Sophie Ferdane) não é bem desenvolvido, e o longa falha como comédia romântica, mas funciona como sátira, expondo diversas situações absurdas às quais mulheres se submetem diariamente.