“The Circle” triunfa ao apresentar uma ideia inovadora, embalado em um reality show cheio de carisma, identidade e entretenimento puro.
Nota do Colab: este texto contém leves spoilers – mas não se preocupe: não contamos quem ganha ou é eliminado.
VVocê é bom em navegar pelas redes sociais? Você acha que, se dependesse apenas de seu perfil, você seria popular? Talvez até mesmo capaz de ganhar um reality show? Essa é a ideia do The Circle, um programa de competição onde os jogadores interagem um com os outros apenas através de uma plataforma digital ativada por voz.
The Circle
The Circle é uma criação britânica, tendo estreado pela primeira vez em 2018 pelo canal Channel 4. Misturando Big Brother e Catfish, além de pegar emprestado conceitos de Black Mirror, a primeira temporada, com 18 episódios e 15 jogadores, fez um grande sucesso na terra da Rainha, levando o programa a ganhar uma segunda temporada.
Em 2019, com 22 episódios, o game show ganhou um novo prédio e uma atualização no sistema operacional. Paralelamente, The Circle se expandiu em uma franquia para fora do Reino Unido e, com a co-produção da Netflix, ganhou uma versão norte-americana, que estreou em janeiro de 2020, e uma brasileira, em março de 2020, com uma francesa ainda para estrear na plataforma de streaming. Assim, tanto a segunda temporada do reality britânico quanto as três versões da Netflix são gravadas no mesmo prédio, em Salford, na Inglaterra.
O Formato
Trancados em um prédio, cada um em um quarto, os competidores do The Circle dependem apenas de seus perfis na plataforma que leva o nome do programa para se comunicar. Atualizando suas fotos, montando suas biografias, atualizando seus status e conversando através de chats em grupos ou privados, eles se conhecem, participam de jogos e tomam decisões importantes, como decidir quem são os jogadores mais populares (conhecidos como Influencers). E tudo isso sem sair do sofá, enquanto falam apenas com uma televisão e são filmados por câmeras espalhadas por todos os cômodos do apartamento.
The Circle não se distancia de outros reality shows de competição e seus competidores ainda precisam formar alianças e passam por alguns dramas e jogos de afinidade ou “resistência”. Mas, ao adicionar a camada do mundo digital, o jogo fica ainda mais interesse por apresentar a possibilidade, por exemplo, dos jogadores construírem perfis fakes ou aumentar um pouquinho da própria história. Assim, enquanto alguns optam por assumir a persona de amigos ou pessoas completamente estranhas, outros optam por serem 100% verdadeiros ou contar pequenas mentirinhas brancas, como diminuir a idade ou falarem que são solteiros – claro, com o consentimento de seus respectivos cônjuges!
O jogo digital garante ao programa uma autenticidade e renovação para o gênero, ao mesmo tempo em que adiciona novos tipos de sentimentos para os telespectadores na jornada de torcida. Não é difícil ficar nervoso esperando por um fake dar um deslize e ser descoberto, #revirar #os #olhos #com #a #quantidade #de #uso #de #hashtags, se animar quando os participantes eliminados vão visitar um dos outros jogadores, ou ficar em choque quando os competidores percebem que mandaram embora uma pessoa real achando que era um fake.

The Circle US
Com doze episódios e 14 jogadores, o The Circle EUA estreou na Netflix no primeiro dia de 2020. Apresentado e narrado pela atriz e comediante Michelle Buteau, o Círculo norte-americano apresentou ao mundo o programa de origem britânica, com competidores cheio de carismas e personalidade.

Em meio a perfis como o de um ítalo-americano marrento cheio de amor pela família, uma bissexual biscoiteira que trabalha com crianças autistas e um descendente indiano nerd e anti-redes sociais, o The Circle estadunidense construiu muito bem suas narrativas, apresentando uma edição ágil e natural capaz de prender o telespectador do início ao fim.
Com introduções de personagens marcada pela vivacidade, episódio por episódios podemos construir vínculos com os competidores e conhecer um pouco mais sobre cada um deles. É interessante perceber que, aqui, aqueles que escolheram interpretarem outras pessoas (o famoso Catfish) mostram muito mais de suas próprias personalidades do que a da pessoa que eles estão sequestrando a identidade. Um, em particular, é um dos mais cômicos do The Circle US, provendo deliciosos momentos como o que ele precisa discutir menstruação com outras mulheres reais.
A versão norte-americana do programa é marcada por diversidade, representatividade e MUITO bromance (romance inocente entre brothers, em tradução livre), além de interações onde os participantes compartilham muito mais de suas próprias histórias pessoais. E é no meio disso que há espaço para fazer certos questionamentos socialmente pertinentes.

Em um determinado momento, por exemplo, uma das participantes questiona o uso do termo “skinny queens” (rainhas magras) para aquelas que não se encaixam nessa descrição de beleza padrão. Em outro episódio, podemos ver uma mulher plus-size ir ficando muito mais confortável em ser ela mesma, com medo de que seu físico ative o preconceito de suas rivais. Ao mesmo tempo, nossos próprios pré-julgamentos são colocados em teste, quando o público reforça certos esteriótipos nos julgadores, que se provam muito mais profundo e tridimensionais que a primeira opinião de todos. Nesse ponto, é preciso dar os parabéns pra produção, que provavelmente pensou em trazer personagens estereotipados e ver que tipo de resposta teria o telespectador.
The Circle se prova como um excelente experimento social para aqueles que se permitirem verem além do teor de entretenimento. Não julgar um livro pela capa é, praticamente, o maior ensinamento que a versão norte-americana nos apresenta – pauta que, inclusive, vira um interessante ponto de discussão na final da versão brasileira. Mas também não podemos esquecer de toda a problemática da interação apenas por rede social, a vida no mundo digital e a evolução da tecnologia.

Não há como negar, como um dos participantes constantemente nos lembra através de seu mantra pessoal, que a internet é a Medusa contemporânea para muitos, que não sabem dosar o uso das redes a acabam vivendo dentro de um personagem obcecado por curtidas. E com uma plataforma por comando de voz sendo o centro de tudo, fica ainda mais impossível se questionar: será que esse seria realmente o nosso futuro? Eu sei que, nesse quesito de isolamento social, eu triunfaria. #Introvertido #MeuQuartoMeuMundo
The Circle Brasil
Não se distanciando muito da versão norte-americana, o The Circle Brasil também aposta bastante em personagens cheios de carisma, que representam muito da identidade brasileira com a sua riqueza de diversidade. A edição, apresentada e narrada pela atriz Giovanna Ewbank, traz competidores do Nordeste, Norte, Sudeste e Sul, que circulam entre 20 e 34 anos.
A maior diferença entre as duas versões é que a brasileira aposta muito mais no uso de memes – o que faz sentido, considerando que o Brasil é praticamente o maior fabricante dessa linguística digital. No começo, no entanto, o uso de termos como “flopados” parece um pouco forçado, destoando da naturalidade como todo o resto ocorre. Mas com competidores tão cativantes e reais, o ruído acaba sendo apenas isso: um ruído.
A edição brasileira triunfa com a sua personalidade, mostrando extremos de representatividade cultural, linguística e sexual. Se por um lado temos, por exemplo, um bombeiro saradão, branco e hétero topzera ou uma mulher branca, magra e miss, do outro temos um homem nordestino, negro, gay e afeminado, ou uma mulher negra, gorda, periférica e capaz de abrir um espacate como se fosse a coisa mais natural do mundo. Há espaço para todo mundo – e não sobra nenhum para o preconceito.
No The Circle Brasil, com o arco-íris e as mulheres marcando tanta presença, a edição abre bastante espaço para discussões sociais, como a normalidade da orientação sexual e a força do sexo feminino e da mulher brasileira. Ao longo dos episódios, vemos os participantes bastante conectados nessas pautas, mostrando que, independente de qualquer coisa, o respeito é a vida de regra ali.
Ainda que os brasileiros tenham uma interação pessoal menor, discutindo mais estratégia e suas constantes suspeitas referente ao jogo, é impossível não chegar no episódio final sem ter seu favorito, querer ser amigo de um deles, ter se apaixonado por alguém e ter se divertido muito com pelo menos metade deles – especialmente com os super-gêmeos que estão sempre ativados pelo poder de uma peruca.
O The Circle Brasil não fica pra trás e bate de frente com a versão norte-americana, com alguns dos espectadores preferindo a versão tupiniquim do programa. Se um é melhor que o outro, fica a critério de quem assistir. Mas uma coisa é universal: a franquia The Circle, com sua refrescância ao gênero, é entretenimento puro e na sua melhor qualidade.

Ei, Circle, atualize meu perfil: Já estou esperando a França nesse Carnaval, e não aguento mais esperar pelas próximas temporadas dos países que já passaram por aqui sambando! #ÍconeDeReality #TheCircleEuTeVenero *emoji piscando* *emoji de brilho*. Enviar! 😉✨