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Melanie Martinez apresenta em "K-12" um segundo álbum impactante, coeso e repleto de mensagens importantes.

Melanie Martinez apresenta em “K-12” um segundo álbum impactante, coeso e repleto de mensagens importantes.


OO álbum Cry Baby mudou as regras do jogo em 2015. Não só o álbum, mas todo o conceito da personagem criada por Melanie Martinez foi um frescor para o excesso de mais do mesmo que se tinha na música pop da época. Dona de uma linda voz e idealizadora de um primeiro álbum impactante, coeso, inovador e repleto de mensagens importantes, a artista estreou no mercado de forma impactante.

O visual da Cry Baby é essa criança cheia de problemas que falava sobre problemas sociais e temas muito pertinentes era estranho e chamativo. Os clipes eram primorosos e traduziam tão bem tudo (e não é pouca coisa) que as letras de Martinez tinham a dizer. Qual não era a expectativa, então, para o segundo álbum e para a continuação da história da bebê chorona?

Capa do álbum

K-12, um termo americano para denominar o período escolar, é o nome do segundo projeto de estúdio da cantora. Dessa vez, segura do seu potencial visual, Melanie produziu um filme com o mesmo nome – que é fundamental para o entendimento completo da obra.

Wheels On The Bus abre o projeto falando sobre bullying e a omissão dos adultos frente à situação. Cry Baby passa por uma viagem desconfortável no ônibus à caminho da escola e canta sobre as coisas ruins que acontecem nesse meio-tempo – e como o motorista do ônibus finge não ver que está acontecendo. Essa primeira cena já mostra bem qual será o tom do filme, e a música (que usa um sample da clássica música infantil) é um dos destaques do álbum.

Briga na primeira aula é o tema de Class Fight. Essa é a música que faz mais referências ao disco anterior, porque cita a mãe da Cry Baby que ainda está jogada bêbada no chão e, por isso, não consegue vir ajudá-la. Essa faixa está cheia de pequenos sons que lembram o ambiente de sala de aula (giz riscando a lousa, crianças brincando no intervalo, chiclete sendo mascado), o que engrandece a sensação de ambientação, que Melanie Martinez sempre faz tão bem. Esse é o primeiro de muitos momentos em que uma voz distorcida faz parte da música, no refrão. Melanie reflete sobre como as crianças são incentivadas a resolverem seus problemas com violência. É interessante mencionar que os efeitos especiais usados nessa cena do filme são interessantíssimos e surpreendentes, visto que a produção foi feita com orçamento da gravadora.

https://www.youtube.com/watch?v=0Jh9ZKmEVBs

Donald Trump e todos os outros políticos ditadores e preconceituosos são referenciados na faixa The Principal. O diretor do colégio é manipulador, transfóbico e droga os alunos para agirem como ele quer. Melanie já tinha dito que uma das músicas era sobre o presidente norte-americano, e esse diretor escolar é o retrato perfeito. A música permanece linear, sem muitas novidades, mas impressiona pela letra.

Pôster do filme

A superexposição do artista é o tema principal de Show & Tell, música em que a cantora praticamente desabafa sobre os problemas que a fama lhe faz passar. “Palavras duras se vocês não conseguem uma foto comigo”. É um recado para o público que trata o ídolo como uma posse, um objeto. É uma mensagem poderosa, e uma analogia inteligentíssima com a atividade clássica dos colégios norte-americanos em que as crianças levam objetos para apresentar para a turma.

Nurse’s Office causa estranheza com as tossidas e gemidos que permeiam a música. A faixa usa a metáfora de alunos que fingem estar doentes para irem pra casa para falar sobre ser forçado a fazer o que não quer.  Tem uma ponte antes do último refrão surpreendente feita somente com barulhos, sons e gemidos que remetem a uma enfermaria. É um dos pontos altos do projeto.

Não tem coisa mais clássica nos colégios estadunidenses que os clubes de teatro. Em Drama Club, a artista afirma que não vai se inscrever pro teatro da escola porque não quer fingir a vida perfeita que todos ali fingem. As vozes que acompanham o último refrão ajudam a engrandecer a faixa. O filme tem aqui uma ótima cena, com um plot twist que chacoalha a trama.

Strawberry Shortcake inicia um trio de faixas seguidas com forte apelo social, falando sobre o assédio que as meninas sofrem (muitas vezes na escola mesmo) e como são constantemente culpabilizadas por isso. Amizades tóxicas são o tema de Lunchbox Friends, música em que a Cry Baby se vê puxada para um grupo de meninas que só têm interesse nas suas habilidades especiais. Esse é um dos melhores refrões do álbum, que faz uso novamente da voz distorcida.

https://www.youtube.com/watch?v=ju60VPr_2uU

Orange Juice, fala sobre bulimia de uma forma poderosa que Martinez ainda não tinha feito. A voz distorcida reaparece no refrão e fica a pergunta do por quê a cantora usou tanto o artifício que, aqui, começa a parecer só repetitivo. Ainda assim, essa é provavelmente a música que aborda o tema mais sério – e a tradução visual disso no filme ficou ótima.

Detention é sobre ser deixada sozinha por todos que estão ao redor. Apesar de, a essa altura, as músicas terem melodias que soam repetitivas, o refrão dessa se destaca e fica na cabeça. A música puxa um pouco pro R&B, que dá as caras de forma mais clara nesse projeto que no antecessor. Teacher’s Pet fala, de novo, sobre assédio e, de certa forma, sobre estupro. A cena com essa música na película é bastante impactante e torna-a ainda melhor. É a Melanie Martinez em sua melhor forma: música boa sobre um assunto extremamente pesado.

As duas últimas músicas fogem um pouco da mesmice melódica que o álbum trouxe até então. Highschool Sweethearts é a minha menos favorita do disco, mas é a primeira grande balada da cantora. Tem um início bastante melancólico e depois escala para um refrão com uma batidinha. Finalizando, a décima terceira faixa é sobre dar uma pausa e um tempo para si mesmo, ao invés de aderir à “superprodutividade saudável” que nos é ensinada diariamente. Essa é a música que mais soa comercial e que daria, talvez, um bom single para as rádios. É gostosa, tem uma melodia diferenciada, e fala bastante sobre o drama que a cantora deve sofrer na indústria da música, mas que atinge a qualquer um, seja qual for a área em que atua: “Pessoas vão dizer que se você precisar de uma pausa, alguém tomará o seu lugar”.

Recess fala sobre a hora do recreio, a hora de parar e a hora de dar um tempo para si mesmo. Em tempos em que tanto se fala sobre sanidade mental, a música é, com certeza, uma das mais atuais do disco.O fato de o K-12 depender tanto do seu filme para ser entendido por completo não é, exatamente, um ponto positivo. A produção, que está no Youtube, é um frescor de criatividade (de novo, Melanie!) para o esquema tradicional de álbum-single-clipe.

É uma produção super bem feita, com bons atores, efeitos especiais satisfatórios e um roteiro bacana. Mas agora, quanto ao álbum por si só, pode terminar, à primeira ouvida, com a sensação de que não falou tudo o que podia ser dito apenas com as músicas – como no caso do impecável Cry Baby.

https://www.youtube.com/watch?v=2HtaIvb61Uk

Mesmo assim, Melanie Martinez acerta demais em todos os quesitos que se propôs desde o início da carreira. As composições continuam impecáveis, ela continua causando estranheza e a Cry Baby mostra que ainda tem fôlego para carregar um projeto. Diz a cantora que ainda virão dois álbuns com a personagem – e o filme termina com um gancho para continuação. Até dá vontade de falar “tomara que não demore como esse demorou”, mas em K-12 ela deixou claro que pressionar o artista não é o caminho certo. Na verdade, ficaram muito aprendizados, então parece que a bebê chorona acertou novamente.


PLAYLIST


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