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Caravanas, show da turnê do álbum homonimo de Chico Buarque, evidencia de forma clara a profundidade de um artista tão sensível.

Lembro até hoje do dia em que me apaixonei pelo Chico. Estava no Rio de Janeiro e fui ao cinema assistir ao documentário Chico: Artista Brasileiro com meus pais, já fascinados pelo cantor. Só consegui entender o fascínio após assistir o filme, que retrata a trajetória e o cotidiano de Chico Buarque com uma sutileza impecável. Desde então, passei a resgatar a (vasta) obra do artista. Até hoje não consegui assimilar todas as músicas, tão carregadas de diversas simbologias. Poucas canções retratam tão bem os recentes acontecimentos políticos do Brasil como “Apesar de Vocêe “Roda Viva. Chico é antídoto para a apatia.

No último dia 13, o artista estreou em Belo Horizonte sua nova turnê, Caravanas. Os ingressos começaram  a ser vendidos no dia 11 de outubro e apesar dos elevados preços, se esgotaram no mesmo dia. Foram cinco shows: todos lotados e aclamados pelo público e pela crítica. O artista intercalou alguns de seus maiores sucessos, como “Futuros Amantes e “Geni e o Zepelin“, com canções do seu novo álbum. Os espetáculos foram dedicados a Wilson das Neves, sambista que faleceu em agosto desse ano. O roteiro do show é cuidadosamente pensado e costurado, e a plateia canta alto e se emociona a cada performance. Simpático, dentro do que sua timidez permite, Chico conversou com o público.

O bis – exigidíssimo – começou com Geni e o Zepelin, música que, embora tenha sido composta para uma peça específica (“Ópera do Malandro”), deflagra a hipocrisia que perpassa a história da sociedade. Vale lembrar: Geni é a escória, mas, no momento em que precisam dela, passa a ser adulada, mimada, cortejada. Findo o “serviço”, ela volta ao posto de refugo. A mulher à qual é permitido cuspir. A música “Paratodos” também entrou no bis, exaltando a brasilidade. Chico se aproximou mais da plateia, passou sua mão em carreira. Nesse momento, muitas pessoas já estavam em pé, a postos, no gargarejo. Ao final, o público saiu magnetizado.

 

Novo Álbum

Lançado em agosto de 2017, Caravanas recebeu um retorno positivo da crítica, que considerou o álbum denso e atual. Destaque para a faixa-título “As Caravanas, que apresenta uma potente crítica sobre exclusão social: “Tem que bater, tem que matar/ Engrossa a gritaria/ Filha do medo, a raiva é mãe da covardia/ Ou doido sou eu que escuto vozes/ Não há gente tão insana”.

A música traz também uma alusão ao romance O Estrangeiro, de Albert Camus. No livro, o protagonista assassina um árabe e afirma que cometeu o crime por conta do sol. O refrão da música de Chico diz: “Sol, a culpa deve ser do sol”.

 

Cunho Político

Chico Buarque sempre foi sinônimo de política. O artista está nos livros de história como uma das principais personalidades que participaram de movimentos de luta e resistência ao período da Ditadura Militar. Nos últimos anos, por ter se posicionado contra o impeachment de Dilma Rousseff, o artista sofreu diversos ataques. Um deles foi registrado e circulou na internet: um jovem aborda Chico no meio da rua e começa a xingá-lo, com uma postura extremamente arrogante e agressiva. O episódio, que aconteceu em 2015, era um presságio de tantos comportamentos violentos que estariam por vir. O cunho social e político do show é, portanto, inevitável. A plateia entoou diversos gritos contra o atual governo do Brasil.

 

Literário

Caravanas é o 23º álbum solo gravado em estúdio pelo artista. Ao longo de sua trajetória, os discos do cantor foram significativamente premiados – até internacionalmente. No documentário Artista Brasileiro, Chico declara sua paixão pela música, mas surpreende dizendo que se considera melhor escritor do que músico. O artista já lançou nove livros e inclusive já recebeu o prêmio Jabuti (principal reconhecimento literário do Brasil) por Leite Derramado, em 2010. Seu último romance lançado foi O Irmão Alemão, que narra a busca por seu irmão desconhecido, mesclando elementos autobiográficos e fictícios.

O viés literário de Chico também é evidenciado em várias de suas canções, carregadas de elementos poéticos e de preocupações com o ritmo e a métrica. Política e poesia: essas são duas marcas que permeiam toda a obra desse artista tão completo que é Chico Buarque de Hollanda. Lembro até hoje do dia em que me apaixonei por ele.


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