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Esta crítica faz parte da cobertura da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 22 de outubro e 4 de novembro em formato online.


De todos os elogios possíveis para Sibéria (2020), novo filme de Abel Ferrara, talvez o mais coerente seja apontar como o cineasta consegue traduzir em sua mise-en-scène uma inquietação do inconsciente humano muito latente, alinhada à experimentação cinematográfica vigorosa.

O filme nos convida a uma jornada adentro do inconsciente de Clint (Willem Dafoe), um homem que carrega um peso de uma vida no semblante sereno e que esconde a fuga dos fantasmas do passado na escolha por trabalhar cuidando de um pacato bar no meio da paisagem gelada do país título.

Sibéria é um filme extremamente visual e sensorial. Ferrara pauta sua encenação em uma experimentação interessante, criando um aspecto de pesadelo fantástico para as paisagens frias e de pouca vida. Na mesma medida, ele denota um tom sombrio para uma sequência especialmente horripilante – tanto no sentido emocional e psicológico, quanto na escatologia –  que se passa dentro de uma caverna.

O viés experimental se manifesta com força na narrativa como um todo, desde a montagem que promove saltos incongruentes de tempo e continuidade – causando um efeito de viagem delirante – até mesmo por essa captura pitoresca de cenários naturalmente vistosos e bonitos, demarcando uma ambiência pesada e desesperançosa para toda a narrativa.

Já que Clint adentra uma caverna para encarar seus fantasmas do passado projetados em si mesmo – afinal, Dafoe aparece interpretando quase todas as figuras que fizeram da vida do protagonista – é intrigante e admirável como Ferrara propõe uma relação de projeção das emoções e questionamentos de seu personagem central em toda a ambientação e, obviamente, na encenação.

Na trajetória deste homem solitário por sua própria alma e inconsciente, fica latente como ele é um peão em uma jornada sem destino porque o próprio Ferrara não quer elucidar conclusões, sejam de si mesmo (diretor), de sua obra (seu cinema como expurgo de anseios pessoais) ou de seu personagem.

Dito isso, o que Sibéria faz é evidenciar a inércia de um homem que, mesmo capaz de revisitar seu passado e enfrentar seus traumas, não consegue tomar para si as rédeas de seu destino e conseguir se refazer. Uma condição tão obscura e angustiante como a própria psique humana que Abel Ferrara se propõe a incitar cinematograficamente.

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