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Em “Relatos do Mundo”, Paul Greengrass faz um western de conciliação entre o mito americano e um olhar esperançoso para o futuro.


PPor mais aleatório e banal que seja apontar as origens britânicas de Paul Greengrass como definidor de alguma característica dos elementos de Relatos do Mundo, há sentido nesta relação que evidencia como o olhar de fora da cultura dos EUA cria um western completamente dissociado de suas raízes ambíguas.

O filme acompanha o veterano de guerra Jefferson Kidd (Tom Hanks), um nômade que vaga por vilarejos dos EUA lendo as notícias dos jornais para seus moradores. Em uma de suas viagens de trânsito entre uma parada e outra, ele encontra uma menina perdida (Helena Zengel) e decide ajuda-la na tentativa de retorna-la a tribo Kaiowa que ela pertence.

Sobretudo, Relatos do Mundo é um filme que se distancia de diversas expectativas possíveis sobre ele. A primeira e mais evidente é como Greengrass se distancia do estilo de cinema que lhe alçou aos holofotes de Hollywood. O interesse aqui não é na “câmera tremida” e no frenesi da ação que lhe condecorou o bom trabalho com a franquia Bourne, mas em uma jornada mais compassada, de uma abordagem mais íntima e de um tom conciliador na relação entre o adulto e a criança, entre o indivíduo e o mundo que o cerca.

Assim, temos um filme que ressoa como um western de travessia, mesmo que se distanciando de alguns elementos um tanto quanto tradicionais do gênero. Se na maioria das obras que se enquadram nesta denominação temos personagens que transitam em um mundo árido, opressor e de uma natureza imponente e onipresente, em Relatos do Mundo a construção de universo se faz menos pela ambientação e mais pela moralidade das personagens.

Neste sentido, nada mais justo do que a escolha de Tom Hanks – provavelmente o ator que mais interpretou personagens virtuosos no cinema contemporâneo – para dar vida ao protagonista. Hanks simboliza com seu carisma e bom mocismo toda uma índole não corrompida e que segue preservada pela jornada Oeste adentro, mesmo quando Greengrass sugere uma relação extraconjugal que, em certa medida, poderia dar algum tipo de dualidade ao personagem.

Essa atuação reveladora de um aspecto esperançoso e bondoso para o personagem central ecoam a escolha do tom de conciliação como um olhar para as bases fundadores da cultura dos EUA e, sobretudo, para um retrato muito particular do contexto vivido no país. Não que Relatos do Mundo tenha algum desejo ou compromisso de almejar uma relação com o zeitgeist dos Estados Unidos, mas é evidente que o longa tangencia – mesmo que nesse olhar distante do diretor britânico – uma leitura que cria paralelos com a importância da notícia e da verdade (em tempos de fake news), do enfrentamento à falta de liberdade e da percepção das diferenças como motivador de uma aproximação e não do isolamento.

O que mais soa incômodo é o retrato do personagem de Hanks como um homem virtuoso que está em deslocamento constante justamente porque sua moralidade ímpar não permite que ele se encaixa em lugar algum deste mundo de pessoas podres.

É uma visão que, sem a complexidade e os dilemas edificantes de questionamento do mito estadunidense, da fundação das raízes da nação e de uma investigação dessa condição pela lente distante de Paul Greengrass, acabam tornando Relatos do Mundo em uma jornada – pelo western e sua representação mitológica – bem menos interessante do que se anunciava.

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