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Em "Licorice Pizza", Paul Thomas Anderson faz uma grande comédia romântica sobre a correria da vida e a busca pelo amor.

Em “Licorice Pizza”, Paul Thomas Anderson faz uma grande comédia romântica sobre a correria da vida e a busca pelo amor.


ÉÉ bem curioso como Licorice Pizza, novo filme de Paul Thomas Anderson, carrega a congruência de duas vertentes do diretor. Tido como um dos nomes responsáveis por pavimentar o sucesso do cinema independente estadunidense dos anos 90 em meio a indústria do mainstream, Anderson presenteia o mundo com mais uma obra interessantíssima.

Acompanhar, as corridas para cá e para lá (para não dizer os encontros e desencontros) de Gary Valentine (Cooper Hoffman) e Alana Kane (Alana Haim) é uma deliciosa experiência de reforço do movimento como símbolo de um momento de vida e estado de espírito. Gary é um ator mirim que teve algum sucesso na carreira ainda curta e Alana uma jovem adulta de 25 anos que busca uma saída para sair da casa dos pais. Enquanto ele tenta engrenar na carreira após um breve sucesso como ator mirim, ela procura a oportunidade de se desvincular de tudo aquilo que lhe prende na cidade. Os dois estão à procura de seus próximos passos na vida, em um constante movimento em busca da oportunidade de crescimento e realização – seja lá qual for ela.

Já que Licorize Pizza se filia tanto a juventude, é bem justo que o filme revisite o passado por meio da condição de uma memória que não soa verdadeiramente nostálgica. Afinal, enquanto jovens, ainda não vivemos o suficiente para olhar para trás e sentir aquele frio na barriga da falta que um período de outrora nos faz. Por isso, Thomas Anderson cria um filme que se estrutura na emergência dos movimentos, na urgência dos encontros e na evidência do presente como o tempo da principal corrida de um jovem: a busca pelo amor.

É bem interessante que todas essas questões relativas ao tempo (o presente, a recriação dos anos 70, a correria da vida, as idas e vindas entre trabalhos e encontros) sirvam mais como contexto do que como um olhar nostálgico e melancólico de Thomas Anderson. Em certo sentido, há um paralelo entre o Era Uma Vez em…Hollywood de Quentin Tarantino porque ambos os filmes reimaginam um período passado e reconstituem memórias.

Enquanto o longa de Tarantino busca uma lógica de correção de caminhos (transformar o cinema e a nostalgia em uma forma de tentar corrigir o fracasso do american way e o sonho americano), o Licorice Pizza de PTA faz um exercício de resgate de memórias exclusivamente interessado na potência daquelas vivências.

É quase como uma memória distante muito marcante, capaz de se rebobinar em nossa mente até que o sentimento gostoso de senti-la se esvaia, mas sem deixar um rastro de sofrimento melancólico em seu lugar.

Além deste paralelo, há também um cruzamento com o cinema dos irmãos Safdie (e talvez não coincidentemente o próprio Benny Safdie atua aqui) porque a filmografia da dupla de irmãos nova-iorquinos se presta a um retrato de figuras marginalizadas que vivem em constantemente movimento pelas ruas da Selva de Pedra. Nos filmes dos Safdies o movimento disruptivo caótico é a única opção que lhes resta e, em outras palavras, um movimento interrompido é sinônimo de morte, da finitude das coisas. Em Licorice Pizza o movimento é o reflexo do ímpeto jovem de seguir vivendo, de aproveitar a possibilidade de renovação e de encarar um canvas em branco para pintar, viver, encontrar e sofrer por amor.

Justamente por terem a possibilidade de se refazer, de buscar outra coisa, Gary e Alana podem interromper seus movimentos quando necessário. São dois personagens que conseguem ser protagonistas de suas próprias histórias, mesmo com as dificuldades e impotências impostas pela vida a um jovem garoto ou pelas amarras misóginas de um mundo masculino que cresce sobre uma jovem mulher.

No que cabe a direção de Anderson, o diretor segue com seus movimentos de travelling e com os close ups marcantes em seus atores (ambos muito bem, com um destaque especialíssimo para Alana Haim) o que, junto de uma montagem capaz de transformar a narrativa em um emaranhado de pequenas crônicas, acaba intensificando a dinâmica de todo o filme.

Falando ainda sobre a encenação, é muito expressivo como a fotografia trabalha em diversas cenas com a baixa profundidade de campo (desfocando o fundo e o arredor do plano) para evidenciar como as personagens estão completamente mergulhados em seu próprio mundo, quase que alienadas de que o mundo em sua volta segue, roda e existe para fora deles. Uma condição muitas vezes ligada a juventude e que, especialmente para Alana, passa a ser uma inquietação latente durante o filme.

Inclusive, a personagem feminina cresce ao longo de Licorice Pizza com uma progressão inquietante. Enquanto o estranhamento para ela (e espectador) quanto a sua relação com um adolescente de 15 anos vai sendo mantido, a jovem adulta se vê lidando constantemente com ouras figuras masculinas que a enxergam e se relacionam com ela já com uma malícia madura e incômoda. Com o desenrolar da trama, vemos que Alana passa a entender como o mundo funciona sob uma estrutura de poder e ela, cada vez mais, percebe sua condição de aprisionamento neste circuito.

A cena do jantar em que a protagonista é chamada de última hora como bode expiatório de uma situação que não lhe pertence só serve para evidenciar como em um mundo agressivo pautado nas relações de poder, o amor sempre será subjugado pelas aparências.

Daí cresce (e se justifica) o encontro e o sentimento por alguém tão jovem e ainda inocentemente pueril. A figura masculina mais decente de todo o longa é, justamente, o adolescente carismático que ainda não teve sua pureza deturpada (uma possibilidade iminente, como o Jon Peters de Bradley Cooper faz questão de afirmar que Gary é tão viciado em um rabo de saia quanto ele próprio).

O que temos, então, é um filme que se preza a capturar o passado como resgate de uma memória doce e prazerosa na mesma medida em que revive a juventude como o período das possibilidades urgentes. Nada mais simbólico do que o caminhão que acaba a gasolina e retorna seu percurso em marcha ré – porque muitas vezes a única solução presente é mudar nosso caminho enquanto ainda temos tempo.

No fim das contas, Licorice Pizza é mesmo um filme sobre correr atrás. Seja das oportunidades da vida, de nossa identidade, de quem nos importa e, principalmente, do amor.

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