“Fendas” tem uma proposta interessante que esbarra na dificuldade de articular, por meio da contemplação, um impacto consistente no espectador.
ÉÉ tênue a linha que separa a contemplação do tédio e Fendas, filme brasileiro dirigido por Carlos Segundo, percorre um caminho arriscado nessa fina margem. Construindo uma narrativa que trafega entre a inércia e a potencialidade de tensões, Segundo combina cinema e física quântica em um filme que trata da relação entre empirismo e subjetividade, mas que em momento algum edifica uma produção de sentido mais consistente.
Em um constante ritmo lento e contemplativo, acompanhamos a rotina de Catarina (Roberta Rangel), uma professora e pesquisadora de física quântica de uma universidade da cidade de Natal. O foco de seu trabalho é o estudo do som, suas camadas, como trafega pelo ar e, principalmente, como a propagação sonora se relaciona com mudanças imagéticas. Neste trabalho de investigação minuciosa das pequenas coisas e movimentos de corpos menores que um átomo, Catarina se encontra e passa a compreender melhor sua relação com o mundo que a cerca.
Assim, o diretor Carlos Segundo não se apressa em momento algum na proposta de acompanhar o dia a dia monótono da protagonista, que leciona um único aluno em tempos de greve na universidade, ao passo que dá sequência à sua pesquisa ao escutar recortes fonéticos de pequenas gravações que realiza.
O mais interessante em Fendas é a relação que a abordagem naturalista e intimista de Segundo cria entre espectador e personagem, principalmente na potencialidade de ruptura que algumas tensões são sugeridas e no forte senso de inércia que a narrativa carrega. Mesmo que seja um estudo científico bastante técnico, específico e até mesmo tedioso, há a percepção de que nos momentos de imersão na sonoridade estudada, Catarina encontra algum sentido que extrapola o reconhecimento empírico-científico, mas que alcança uma conexão emocional e subjetiva.

O que falta ao filme, então, é a articulação deste potencial de ruptura, de produção de sentido – mesmo que abstrato – que a pesquisa parece ter na professora. Seja quando Catarina se masturba, chora ou demonstra um evidente desconforto após escutar recortes de sua pesquisa, Segundo evidencia que de alguma forma a protagonista ressignifica momentos do seu dia a dia, da sua vida presente ou se conecta à memórias e sensações do passado a partir da interação com o som e seu estudo.
O incômodo principal com Fendas é gerado, em parte, pela fragmentação da narrativa, que conta com situações, interações e acontecimentos largados na vida da protagonista e que não são articuladas com nenhuma produção de sentido concreto. Talvez seja uma opção do diretor de reforçar uma abstração nas relações de causa e feito do longa, tanto para Catarina, quanto para o espectador, contudo o que acontece é que somos privados de informações que dariam um estofo emocional e prévio para a pesquisadora, evitando o aprofundamento da relação da mesma com a pesquisa, assim como da catarse do espectador nos efeitos que ela produz.
Neste ponto, quando uma revelação tardia e rasa é apresentada, cria-se uma sugestão de relação sobrenatural e íntima entre pesquisadora-pesquisa que poderia sustentar melhor as colocações de Catarina ao longo do filme, quando se refere a sua pesquisa como maneiras de se encontrar em um movimento atemporal e, por vezes, interdimensional. É um roteiro que insere muitas ideias que são, consequentemente, mal amarradas pelo diretor.
É curioso que o longa se assemelhe tanto à pesquisa de sua protagonista, no sentido de que assim como qualquer empreitada científica exige um resultado concreto (e a proposta de Catarina ainda segue sendo desenvolvida), Fendas também soa como um filme que ainda procura por um sentido edificante, por mais subjetivo que isso seja.
*Filme assistido na programação online e gratuita do 7º Festival Internacional de Cinema de Brasília (BIFF).