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Bons filmes de terror nos colocam a par de nossas inseguranças. Por meio deles, somos convidados a questionar ou até mesmo ressignificar um expoente traumático da existência consentida. O medo é só uma parte disso. Talvez, a expos ição mais aguda e irracional diante de uma situação que desconhecemos. Os medos fluem com o tempo, geração após geração. Acompanhar essa dinâmica não é exclusividade do cinema, mas não é difícil apontar a sétima arte como ferramenta eficiente e duradoura no estudo daquilo que tememos.

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Produção meio que pessoal de James Gunn (com roteiro assinado por membros de sua família), Brightburn: Filho das Trevas tem como grande mérito a investigação lúdica do medo adulto, mais especificamente do medo parental, diante das descobertas de novas gerações sobre as maquinarias do mundo. Usa de artifícios manjados de narrativas de super heróis para estabelecer Brandon Breyers (Jackson A. Dunn), seu protagonista mirim. Além do nome aliterativo, sua origem remete diretamente ao Super Homem e todo o seu arco de descobrimento encontra rimas com as ascensões de Peter Parker ou um membro perdido dos X-Men. A subversão desses paradigmas, independente dos tropeços, se revela uma divertida (e grotesca) brincadeira, capaz de manter interesse ininterrupto do espectador até o fim da sessão – sem cenas pós-créditos, vale dizer.

Na pequena cidade que dá título ao filme, vivem Tori (Elizabeth Banks) e Kyle Breyer (David Denman). Com dificuldades para ter filhos, ambos são repentinamente agraciados com a chegada de Brandon. Imagens de vídeos caseiros constituem uma rasa elipse de modo a nos situar no momento presente. Agora um adolescente, Brandon vive uma fase de descobertas acompanhada pelo início da puberdade, incluindo a atração por uma garota e as confusões do ambiente escolar. Um aluno prodígio que sabe de cor a diferença comportamental entre vespas e abelhas vira alvo fácil de bullying. Seus colegas nem imaginam no que isso vai dar.

O filme permite, enquanto conhecemos melhor nosso protagonista, analisar de perto o microcosmo que circunda Brandon. A inserção passiva do garoto nos dogmas patriarcais são representados pela aquisição de uma arma de fogo e pela conversa especial que tem com o seu pai (“Às vezes você deve ceder aos seus desejos.”). Enquanto descobre mais sobre si mesmo, Brandon se vê possuído por uma espécie de comando espiritual que o coloca diante de um misterioso alçapão, localizado nas entranhas do celeiro na fazenda em que a família reside. Um mistério provocador que acrescenta mais combustível aos dilemas da trama.

Para o sucesso dessa construção dramática, a atuação do jovem Jackson A. Dunn se mostra fundamental. Temos aqui uma bem vinda construção de personagem, cujo estilo se aproxima de um Paul Dano ou mesmo um Jake Gyllenhaal precoce. É expressiva a partir do olhar e, principalmente, do tom de voz, algo que condiciona méritos também ao jovem diretor David Yaroveski. O elenco demonstra engajamento enquanto novas emoções se sobrepõem a narrativa. Destaco Becky Wahlstrom, que faz a mãe de uma colega de Brandon, interpretando aquela que, por meio de uma impressionante filmagem subjetiva, compõe de longe a passagem mais agonizante do filme inteiro (estabelecendo o tom definitivo da obra). Um caco de vidro na íris não é lá a imagem mais confortável de apreciar.

Aliando tons vermelhos e azuis, a fotografia e o figurino buscam salientar as ambiguidades morais de Brandon. Gosto também de como vários planos são filmados sem suportes, como se a câmera fosse um candelabro prestes a cair. Ancorado pelo vínculo incondicional de sua família, o garoto se vê dividido diante de seus ímpetos viscerais. Não vejo aqui o jeito mais poético de retratar os transtornos da adolescência, mas a tentativa acaba usufruindo do gênero escolhido com propriedade. Algo que O Exorcista (1973), Sobrenatural (2010) e o recente Hereditário (2018) deixaram de contribuição, e que esse filme acrescenta discretamente para o legado.

Tematicamente, fui remetido ao sensacional Um Lugar Silencioso (2018). Naquele filme, observamos de perto as inseguranças de um casal criando seus filhos em uma distopia ensurdecedora. Aqui, há uma pretensão maior de mostrar as questões parentais em conflito com os padrões de comportamento emergentes, com foco absoluto no que constitui hoje um homem adolescente. Uma pena que o roteiro não encontra inspiração para desenvolver melhor os arcos de Brandon com os colegas, ou mesmo suas motivações intrínsecas para os atos que vem a cometer. Ao final, nos deparamos com uma representação unilateral e deslocada dos atiradores de Columbine, desperdiçando uma boa oportunidade de retratar contornos mais intimistas de uma mente jovem e conturbada em contato com estímulos contemporâneos.

Tal desfeita é acompanhada por decisões estéticas questionáveis. Os efeitos visuais geram desconforto pelos piores motivos. Há um apelo pela identidade escatológica e caricatural de Sam Raimi (algo que James Gunn aproveitou bem em Seres Rastejantes e que funcionou primorosamente na refilmagem de Madrugada dos Mortos, por ele roteirizada) que não conversa bem com os primeiros arcos do filme. O acúmulo de personagens descartáveis também resseca a obra, demonstrando um sintoma clássico de filmes de terror (e também de filmes de super heróis) que não passa despercebido. A trilha de Tim Williams, por sua vez, parece uma paródia das piores obras de Hans Zimmer, com menção desonrosa para os acordes que acompanham o clímax.

Ao final, ficamos com a impressão de um espetáculo pretensioso, indigesto e sem definições para a história que quer contar. Cenas que, no papel, parecem repletas de significados perdem força com escolhas pretensiosas ou levianas. O final abrupto tem a sorte de não eclipsar uma identidade própria, construída, principalmente, na primeira metade da projeção. Ao final do dia, Brightburn pode parecer um filhote adotivo de A Profecia (1976) com Carrie, a Estranha (1976) aspirando um caminho incerto que não me sinto seguro em predizer.

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