fbpx
Ancestralidade, poder e busca por identidade convivem juntos em "Black is King", o manifesto sonorizado de Beyoncé.

Ancestralidade, poder e busca por identidade convivem juntos em “Black is King”, o manifesto sonorizado de Beyoncé.


SSe você se sentir insignificante, é melhor pensar novamente / É melhor acordar / Porque você é parte de algo muito maior / Você é parte de algo muito maior”, assim começa o trecho inicial do novo álbum visual de Beyoncé. Nomeado Black is King, o material explora um experimento social, a partir da releitura da história de Simba, personagem central de O Rei Leão, baseado no exercício da imaginação que, com bases na diáspora do povo preto e de raízes africanas, os coloca em destaque para resgatar sua própria identidade e suas origens.

Ao longo dos 85 minutos, vários elementos compõem a narrativa do filme. Beyoncé vai da ancestralidade à moda, passando ainda pela arquitetura e, acima de tudo, a relação com o corpo – tudo isso a partir da perspectiva (e refletindo sobre a falta dela) do indivíduo africano e de raça negra.

A ideia de passado, presente e a representação do futuro ganham contornos políticos e revelam ao público de Black is King que além do poder estes sujeitos podem assumir o controle de suas trajetórias, mesmo que ainda totalmente apenas no material audiovisual.

 

BLACK IS KING

Pôster do filme

Preto é rei”, o que te vem à cabeça ao se deparar com essa expressão? Conquista? Exagero? O novo álbum visual de Beyoncé, dirigido pela própria cantora e disponibilizado em formato de filme na plataforma Disney+, pode te provar que não. Usando a imaginação como ferramenta a artista projeta, a partir da jornada de Simba, um menino negro que parte em busca de sua identidade após a morte do pai, a necessidade de todo um povo que chega ao século XXI com a sua individualidade ainda forjada e banalizada por outros que insistem em tentar desconstruí-la.

Ao assistir Black is King, as pessoas negras são levadas, junto de Simba e como ele, a enfrentarem as adversidades e recuperarem também suas identidades e tradições, fortalecendo a ligação com o próprio corpo, considerado meio de conexão, os rituais e manifestações culturais próprios de seus semelhantes. Ainda, visitam um futuro em que estão, finalmente, em evidência, ocupando espaços de liderança enquanto levam consigo seus valores e modos de viver para assumir a história tantas vezes contada por outros, isto é, pessoas brancas que não entendem suas vivências.

A investida audiovisual é ousada, importante e necessária para o momento em que a causa racial vem ultrapassando a discussão de cor apenas, e abre possibilidades de ver o mundo, as representações ficcionais de futuro e a expressão do eu a partir de perspectivas até então repreendidas, invisibilizadas e pouco compreendidas efetivamente.

AFROFUTURISMO
Afrofuturismo é a estética que questiona o presente e projeta o futuro a partir da perspectiva negra africana e diaspórica.

Black is King conta ainda com artistas negros influentes como Pharrell Williams,Naomi Campbell, Kelly Rowland e Lupita Nyong’o que, com seus corpos e mostrando suas habilidades, contribuem para compor um manifesto à beleza negra, seja em forma de debutantes, dançarinos e até mesmo um coral negro que canta a plenos pulmões, como se finalmente tivessem alcançado sua plenitude: “Seu destino está chegando / Levante-se e lute / Então, vá para aquela terra distante / E seja aquele com o grande “eu sou”, “eu sou” / Um menino se torna um homem”.

O filme é forte e, enquanto dedicado à ancestralidade e aos filhos da cantora, lida com os desafios da população negra-africana de forma tocante, trazendo para o vasto público da cultura pop o ambiente onde suas manifestações culturais, corporais, sociais, emocionais e políticas são valorizadas e legítimas.

Na imagem é possível ver personalidades como Kelly Rowland e Lupita Nyong’o, além de Beyoncé e Blue Ivy

Fato é que o começo e o fim da obra são marcados pelo nascimento, reforçando a ideia do ciclo da vida abordada inicialmente em O Rei Leão e a esperança de um recomeço. Assim, evidencia-se a percepção de que somos meio e não início e final de uma caminhada em constante movimento e transformação, agentes em um mundo onde os verdadeiros líderes são reis e rainhas negros africanos. Eis a reinvenção da história.

 

EXPERIÊNCIA VISUAL

Tudo em Black is King tem um significado e com a estética não seria diferente. Beyoncé coloca corpos negros em mansões, salões projetados a partir do ideal europeu de organização e exibe durante as quase 1h30 de vídeo diversos elementos visuais que ajudam a contar a história e transmitir a mensagem.

Símbolos étnicos, referências à animais e natureza, materiais artesanais e até a estampa de onça, apropriada para o popular como animal print, ganham visibilidade e assumem o plano, ora na própria Beyoncé, ora nos dançarinos e demais profissionais que estruturam as cenas e trechos de videoclipes.

A artista, de certa forma, subverte o conceito ocidental de beleza e elegância e traz aspectos da cultura negra africana junto ao brilho, óculos e itens comumente usados pela classe alta e branca. Nesse ponto há uma glamourização dessa cultura, mas que revela uma questão interessante: Beyoncé aproveita de sua influência como personalidade global para tocar na questão racial através da ancestralidade, aspecto ausente no imaginário coletivo e discurso popular.

Dessa forma, com Black is King, atinge-se um público diverso e mais, ela toma essa atitude tendo consciência do seu atual lugar de fala, ou seja, uma mulher negra pertencente a classe alta com acesso a certos privilégios que muitas e muitos como ela não tem e por isso é uma oportunidade de levar conhecimento em maior projeção.

Nesse contexto, a obra faz sentido com todo o trabalho feito por Beyoncé até aqui que, após falar sobre o corpo, a beleza, o casamento em álbuns anteriores e abordar a questão racial mais fortemente no último disco lançado, Lemonade (2016), dá mais um passo nessa direção ao relançar o álbum The Lion King: The Gift, divulgado junto ao live-action de O Rei Leão (2019) com ainda mais camadas de significado, fazendo até mesmo o que o lançamento do ano passado prometeu, mas não entregou.

Black is King é um convite a repensar o passado, refletir o presente e imaginar um novo futuro em que o povo preto são seja apenas visto pela cor mas sim por toda a construção simbólica e humana que tem muito a nos ensinar. Ao terminar sabemos que rei não é sobre poder apenas, mas sim sobre reconhecimento e o prazer de ser por completo, mesmo que para isso o presente não dê conta de tamanha potência.

Compartilhe

Twitter
Facebook
WhatsApp
Telegram
LinkedIn
Pocket
relacionados

outras matérias da revista

Filmes
João Dicker

Seria melhor se “Hellboy” estivesse no Inferno

Em meio a um cenário em que Hollywood tem explorado de reboots diversos das mais variadas franquias e séries de filmes, a retomada de uma produção de Hellboy é algo curioso. Os dois primeiros filmes, dirigidos por Guillermo del Toro, podem não ter garantido retornos econômicos exorbitantes para o estúdio, mas a qualidade enquanto produto e, principalmente, o olhar autoral do diretor mexicano para a criação daquele universo fantástico-sobrenatural garantem personalidade aos dois projetos. Passados mais de 10 anos da última aparição do personagem nas telonas, Hellboy volta em uma nova versão que, de forma trágica, acaba por ser um

Leia a matéria »
Televisão
Bruna Curi

Ai meu hamster!

“Ninguém Tá Olhando” surpreende com uma narrativa envolvente e engraçada, graças a assinatura criativa de Daniel Rezende na produção.

Leia a matéria »
Back To Top