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"Bacurau" é uma experiência cinematográfica arrebatadora, que revisita gêneros da sétima arte com autoralidade e uma identidade brasileira.

“Bacurau” é uma experiência que revisita gêneros da Sétima Arte com autoralidade e uma identidade genuinamente brasileira.


NNada mais justo do que Bacurau, novo filme de Kleber Mendonça Filho e co-dirigido por Juliano Dornelles, receber tamanha repercussão. Para além do merecido Prêmio do Juri no Festival de Cannes, Bacurau é uma experiência cinematográfica arrebatadora, com temática contemporânea e uma importante carga histórica no cinema brasileiro.

Logo na abertura, entendemos que o filme é diferente de O Som ao Redor (2012) e Aquarius (2016), trabalhos mais recentes de Mendonça Filho, assim como da maioria dos filmes autorais do cinema brasileiro pós-Retomada. Enquanto suas obras antecessoras tratavam do mal-estar social brasileiro em um cenário urbano, o novo longa-metragem escolhe o oposto disso para situar sua narrativa.

Pôster do filme

Abrindo o filme com um tom de ficção científica, acompanhando um satélite em órbita pela Terra, logo somos colocados por um zoom in em uma estrada com caixões sendo atropelados por um caminhão-pipa no calor do sertão nordestino brasileiro, situado “alguns anos no futuro” – lembrando imediatamente um cenário pós-apocalíptico ou de um futuro distópico no estilo Mad Max (2015). É logo mais, seguindo pela estrada, que somos apresentados a verdadeira protagonista da história: a pequena cidade de Bacurau.

O roteiro é inteligente na forma como conduz a história desde a apresentação da cidade por meio da chegada de Teresa (Bárbara Colen), que retorna ao pequeno vilarejo para o funeral de sua avó Dona Carmelita. A partir daí, vêm uma trama que combina western, terror, ação e Cinema Novo para construir um filme de cerco que trabalha a memória coletiva e o senso de coletividade como formas de resistência. É o encontro perfeito entre cinema de gênero e uma proposta extremamente autoral que KMF e Dornelles carregam até o final, trazendo uma identidade própria e muita brasilidade.

No meio, em relevância, a atriz Sônia Braga

Tudo funciona de forma muito orgânica graças a um trabalho impecável de roteiro e direção. Bacurau é um longa de coração brasileiro com uma roupagem sofisticada de cinema de gênero, aprofundados com comentários sociais e discursos evidentes, algo que lembra muito a filmografia de John Carpenter. Por se construir como um filme de cerco e invasão, a inspiração em Assalto à 13ª DP é evidente, mas a locação no sertão brasileiro e a forma como os roteiristas trabalham toda temática contemporânea de um Brasil dividido socialmente e ideologicamente, além de passar pelo coronelismo e pelo imaginário do nosso sertão, elevam o longa ao patamar de clássico instantâneo da filmografia nacional.

Posicionamentos políticos a parte, Bacurau tem um peso enorme na indústria de um cinema brasileiro que hoje, mais do que nunca, colhe os frutos de mais de 20 anos de incentivo e desenvolvimento que começam a ser desmantelados na gestão de Bolsonaro. A situação que a ANCINE (Agência Nacional de Cinema) vive é assustadora e Bacurau, assim como Arábia (2017), Benzinho (2018), Boi Neon (2015) e outras produções símbolo de um momento muito prolífico para a sétima arte no Brasil, são as obras que escancaram a importância da manutenção deste apoio para o crescimento do audiovisual no país.

Udo Kier e Sônia Braga contracenam

O que Bacurau faz muito bem enquanto “produto de uma indústria”, é ser consciente de que trabalhar a linguagem de gênero é um dos meios ideais para abordar com densidade discursos e temas muito necessários no contexto contemporâneo, além de apresentar imagens fortes carregadas de iconografias. Equilibrando doses de explicações verborrágicas à uma força imagética pesada, roteiro e direção se combinam na construção de uma cidade que resiste graças ao senso de coletividade e união amarrados pela memória histórica – não é à toa que o Museu de Bacurau é tão importante para os moradores da cidade.

De toda essa proposta arrojada, de uma película que combina gêneros consagrados do cinema hollywoodiano revisitados para as temáticas brasileiras, KMF e Dornelles têm muito a dizer sobre como o Brasil ainda vive um processo de colonização em todas as esferas da sociedade. O frescor trazido para este comentário é que em Bacurau esse processo não mais é ditado por estrangeiros e sim por interesses da classe política. Por outro lado, a pequena Bacurau é o símbolo de uma resistência com raízes brasileiras fincadas ao chão, apoiada na união e conjunto como a única forma de levar a vida coletiva adiante naquele contexto.

Com um clímax que transforma discurso em ação, os diretores encerram com perfeição uma das obras cinematográficas mais bonitas e marcantes da sétima arte no país. Resta a esperança de que o cinema brasileiro seja tão forte e resistente quanto os moradores do pacato vilarejo de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles. Uma cidade que ensina que quem nasce ali é gente: gente que vive, gente que luta, gente que resiste. Gente como Bacurau.

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