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"A Melhor Escolha" é um filme forte e cheio de reviravoltas, em um filme de eventos históricos e contemplativo.

“A Melhor Escolha” é um filme forte e cheio de reviravoltas, em um filme de eventos históricos e contemplativo.


VVivemos em um período de incerteza. Instituições consolidadas, até então inquestionáveis, são apontadas diariamente como causa e efeito de problemas comuns como a desigualdade social, a corrupção e a violência. O melhor caminho na teoria, a democracia, emerge na prática como plataforma para traficar influência, enriquecer agências e enganar futuros. A Melhor Escolha (2018) analisa contextos de um passado não tão recente enquanto direciona importantes discussões para os momentos seguintes.

Larry (Steve Carell), um veterano da guerra do Vietnã, descobre os paradeiros dos colegas Salvatore (Bryan Cranston) e Richard (Laurence Fishburne) e os convida para o funeral de seu filho, morto “em combate” enquanto servia o exército no Iraque. Enquanto revivem memórias e pulverizam um sofrimento latente, o trio reflete sobre as motivações pessoais e institucionais que iniciaram conflitos, condecoraram estrelas e multiplicaram túmulos.

Dirigido e escrito por Richard Linklater, um cineasta extremamente versátil e inventivo cuja obra inclui o recém-aclamado Boyhood (2014), A Melhor Escolha é uma adaptação do romance homônimo de 2004, com autoria de Darryl Ponicsan (creditada também como co-roteirista). Famoso por aliar temas mundanos à montagens dinâmicas e humor ácido, sem deixar de estabelecer críticas relevantes, o cineasta texano enxergou aqui uma oportunidade para pintar retratos de vivências que sobrepõem uma ou outra ideologia singular e qual a importância disso para os dias de hoje.

Somos apresentados ao sofrimento de Larry quando este aparece na tela sempre vestido de preto, trajando um capuz e portando um bigode de forma a compartimentalizar seus sentimentos perante à indiferença circundante. A atmosfera soturna é quebrada pela comicidade de Salvatore, cujo ceticismo é temperado pelos hábitos boêmios e diluído pelo notável companheirismo. Richard, agora um pastor da igreja batista, não se orgulha muito do passado na guerra, mas se compromete em solidarizar com o amigo enquanto gradualmente se abre para os climas de descontração.

Essa diversidade de sentimentos é construída no filme de maneira orgânica. Enquanto acompanhamos a narrativa, pequenos questionamentos vão tomando forma. Durante a cena do funeral (iniciada com o mesmo movimento de câmera que apresenta Larry, como se aquilo permanentemente fizesse parte dele), conhecemos um soldado amigo do falecido: Washington (J. Quinton Johnson). Negro, sem pai e de origem humilde, o personagem viabiliza não só um contato com o invisível Larry Jr., como também materializa a submissão socialmente construída às narrativas militares. Ironias que Salvatore não deixa de apontar e, até certo ponto, combater.

Da esquerda para a direita: Bryan Cranston como “Sal”, Steve Carrell como “Doc” e Laurence Fishburne como “Mueller”

Uma parceira de Linklater que se sempre se destaca é a montadora Sandra Adair. No processo de montagem é que um filme toma forma e ganha um rosto. Se a filmografia do diretor é reconhecida pela diversidade, podemos afirmar que a companheira inseparável assume grande responsabilidade nisso. A Melhor Escolha poderia ser um drama indistinguível, não fossem os raccords em que um personagem completa a fala de outro (confirmando a teoria deste e acrescentando humor necessário à cena) ou uma cena absolutamente tensa, em que Larry pede para abrir o caixão, equilibrada pelo corte seguinte, enquadrando café e rosquinhas.

O design de produção de Bruce Curtis também merece reconhecimento, uma vez que a história se passa há quase 15 anos atrás e é curioso notar como, por exemplo, telefones celulares eram bem mais simples e a internet assume um papel discreto, mas presente, na vida dos protagonistas. A habilidade de Linklater em reforçar isso com a trilha sonora é indiscutível, como visto no próprio Boyhood. A Guerra do Iraque é debatida paralelamente ao papel do governo Bush na política interna e toda essa ambientação gera uma certa nostalgia para quem tem alguma memória daquele (já distante!) tempo.

Esses alívios cômicos não são novos, mas fogem do óbvio e dão contornos mais leves à aspereza da narrativa. Mesmo sendo um filme essencialmente dirigido pelo diálogo, o silêncio e os jogos de câmera são recursos adotados com muita propriedade pelo realizador. As atuações do trio principal são um trunfo, uma vez que Linklater aproveita do carisma de Cranston e de Fishburne para afastar a dor internalizada nos trejeitos de Carell. Trabalhos de atuação que assumem uma consistência impressionante até o último minuto de projeção.

Reviravoltas conduzem a narrativa numa espécie de road movie e, mesmo que estas reverberam no tom questionador da trama, conferem uma estranha sensação de estagnação. O grande conflito consiste na possibilidade de Larry enterrar o filho em Portsmouth, próximo a sua casa e sem as honrarias costumeiras. O filme nos apresenta ferramentas aqui e ali que travam esse desejo, mas não justificam um real motivo de preocupação. Quando há impedimentos, estes soam burocráticos e, não fosse a astúcia da montagem e a afinidade do elenco, o filme perderia força.

Como um filme contemplativo, porém, A Melhor Escolha é brilhante. Basta se situar na cena estrelada por Cicely Tyson (outra veterana, dessa vez das telonas). Questões individuais são tratadas com a mesma importância de eventos históricos e, com a devida ênfase, chamam atenção para a indiferença e o cinismo que consomem as interações contemporâneas. Aliando novos temas e velhos símbolos, Linklater levanta uma última bandeira que nos deve acompanhar mesmo nos momentos mais incertos e obscuros: a do altruísmo.


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