fbpx

Viagens no tempo são fantasias que revelam o quão frágeis nós somos. No bom sentido. Apegar-se aos recortes cronológicos ou situar-se numa determinada marcação do calendário é uma manifestação de consentimento com a efemeridade. É de onde derivam-se traduções intensas de angústias perenes, como a saudade e a nostalgia, fazendo da relação com o mundo material um fim em si mesmo. Nossos corpos seguem como veículos nessa estrada pavimentada por horas, minutos e segundos.

Muitos autores, cansados de trabalhar numa mesma linha temporal, resolvem extrapolar suas narrativas para vasculhar possibilidades largadas na lixeira. É como pegar aquele velho rascunho amassado e rabiscado e dar a ele um novo lar. Revela-se aí uma ideia de apego às tentativas e um desapego ao produto final. Uma fuga da realidade temperada por noções combinadas de esperança, curiosidade e escapismo.

Quando passado, presente e futuro deixam de impor regras e se transformam em possibilidades, as histórias se revelam menos como fruto de abstrações e mais como um ninho de efervescências. Daí temos uma mistura do que era com o que deveria ter sido; com o que não foi, mas pode ser. Os medos se atenuam enquanto as frustrações se convalescem; as previsões certeiras de tragédias evitáveis dão um propósito aos personagens que habitam o multiverso das mentes coletivas.

Histórias assim podem assumir várias funções. Ao mesmo tempo que soam saudosistas, podem também reafirmar culturas e valores de uma geração vigente. Quando Marty McFly coloca sua existência em cheque ao interferir no primeiro encontro de seus pais, seu propósito passa a ser o de remendar os furos feitos no passado para garantir um futuro que lhe pertence (ou melhor: ao qual pertença). Não é a toa que De Volta Para o Futuro é um dos grandes marcos culturais dos anos 80. É uma carta de acolhimento a uma faixa etária que vive não por conta dos erros do passado, mas apesar destes, e que teria nas mãos a responsabilidade de um algo promissor.

A medida que o tempo passa e nosso apego pelos personagens cresce, esperamos uma resolução para seus conflitos. Uma resposta que não precisa ser definitiva, mas que ajude a fechar um capítulo sem nos enforcar na beira do precipício (sim, alguns autores são covardes!).

Um dos ingredientes para o sucesso do universo cinematográfico da Marvel é esse “amor de mãe” com seus protagonistas. Todos recebem um espaço para se desenvolver de forma que o vínculo entre eles e o espectador seja estabelecido gradativamente. Por isso não queremos simplesmente entregar nossos amigos ao final de Vingadores: Guerra Infinita. Quando Vingadores: Ultimato restabelece uma nova chance no tempo, percebemos a força dos reencontros.

O que me faz pensar como viajamos no tempo por conta própria em tantos momentos da vida. Cada vez que ligamos pra alguém distante ou mandamos aquela mensagem: “ce sumiu, heim?”, abrimos um portal para reviver emoções latentes, algumas até duvidosas, e destrancar o mistério das caixas de conflitos. Na ampla necessidade da troca de interações e da satisfação com a consciência, reside um pequeno abrigo para se apegar às oportunidades perdidas.

cena de “Vingadores: Ultimato”, em que o Capitão América retorna de uma viagem no tempo sentindo os efeitos do envelhecimento

Um singelo filme sul-coreano, dirigido por Hong Sang Soo, me fez refletir bastante sobre esse tema. Certo Agora, Errado Antes tá a quilômetros de distância de ser uma ficção científica. Entretanto, um martelinho cerebral me fez pensar: isso pode ser uma viagem no tempo! Não explicitamente (ou mesmo intencionalmente), mas a narrativa sobre duas versões de um mesmo acontecimento concentra um dos pilares desse tipo de história. E essa leitura particular me fez amar mais o filme, os personagens e suas respectivas situações. Especialmente quando vemos a garota escolhendo cores diferentes para pintar a mesma tela, ou quando uma confissão feita logo de cara ajuda a estreitar os laços recém estabelecidos com alguém.

Uma das minhas experiências mais marcantes com essa coisa de querer voltar ao passado para calar os traumas do presente foi assistindo a um curta brasileiro. Barbosa, de Jorge Furtado, conta a história de um homem amargurado com o resultado da copa de 1950, cuja final envolveu a derrota do Brasil para o Uruguai em uma virada por 2 a 1. O protagonista, vivido por Antônio Fagundes, consegue voltar aquele dia e se posiciona bem pertinho do goleiro da seleção, que se chamava Barbosa. Quando chega o momento esperado para o gol da vitória deles, o homem, bem intencionado, chama atenção do goleiro. A distração repentina vira o motivo do segundo gol. E agora a culpa não é mais só do Barbosa. Sem querer, o viajante mantém as coisas como são; menos pra ele.

Queremos a todo instante entender melhor esse negócio de ficar velho e saber para onde vamos. Somos mais curiosos quando a pergunta é: como chegamos? Como grandeza física, o tempo não é lá muito bom em nos dar respostas. Partindo de uma espiral iniciada por uma grande explosão, seus ciclos exponenciais aumentam a desordem dessa casa maluca que misteriosamente habitamos. A derrota é certa quando ousamos enfrentá-lo a qualquer custo. Em meio a equações e ficções, poderíamos ao menos nos entender.

Compartilhe

Twitter
Facebook
WhatsApp
Telegram
LinkedIn
Pocket
relacionados

outras matérias da revista

Televisão
Carolina Cassese

Um sociopata em um cavalo branco

“Você” é chocante e assustadoramente verossímil, usando o espelho da realidade para criar um thriller sobre stalker e fazer críticas socioculturais. Uma mulher chega na livraria. “Quem é você? Pelo seu jeito, uma estudante. Sua blusa é solta. Não está aqui para ser cobiçada, mas as pulseiras fazem barulho. Você gosta de um pouco de atenção. Certo, caí na rede”. Protagonizada por Penn Badgley (o Dan, de Gossip Girl) e Elizabeth Lail (Ana, de Once Upon a Time), a série Você se desenrola a partir da obsessão do livreiro Joe com a estudante Beck. A produção, que é original do Lifetime, viralizou

Leia a matéria »
Back To Top